O MOVIMENTO CAMPONÊS NO BRASIL PELA REFORMA AGRÁRIA

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     Esses movimentos surgiram como uma forma de resistência ao capital, buscando na posse da terra o que vai contra a premissa do capitalismo: que a terra fica subordinada as suas necessidades.
“Por esse motivo, o marco teórico desta analise é a colocação é a questão do desenvolvimento do capitalismo no campo, desenvolvimento esse, que no Brasil tem acontecido sem que a estrutura agrária seja tocada. Esse processo foi historicamente possível na medida em que puderam aliar-se o interesse dos setores dominantes agrários e não agrários interesses esses que se expressam através do bloco industrial agrário (...)”. (BASTOS:1984,9)    
Assim, segundo Elide Rugai Bastos, esses movimentos, no final dos anos 50 e inicio dos anos 60, juntamente com outros movimentos, vem criticar esta aliança entre o capitalismo e o campo, conquistando um campo importante para as reivindicações dos trabalhadores.
Em 1955, o movimento adquire a nomenclatura de Liga Camponesa por conta dos fatos ocorridos em Pernambuco com a organização dos trabalhadores do Engenho da Galiléia, que havia cerca de 140 famílias camponesas totalizando quase mil pessoas. Os fazendeiros negavam aos trabalhadores o acesso à educação básica na fazenda, descumprindo o que estava escrito na constituição onde este direito era assegurado. Ele obrigava qualquer propriedade que tenham mais de 100 famílias a oferecer uma escola gratuita para os trabalhadores. Assim, os próprios camponeses se organizam constituindo uma diretoria com presidente, vice e tesoureiro e convidam o próprio senhor do engenho para figurar como presidente de honra. Depois disso, os outros latifundiários o acusam de comunismo e prontamente ele retrocede e proíbe todos os avanços que os trabalhadores estavam buscando.
Os camponeses resistem às retaliações com uma parte não se intimidando com as ameaças e são liderados por José Francisco da Silva:
“José Francisco o velho ’Zezé’, como é conhecido de todo o país, um camponês que tinha perto dos 70 anos de idade, mais de 40 morando naquelas terras. Sereno, honesto, respeitado pela bondade e espírito de tolerância, resistiu a todas as ameaças e violências praticadas desde então contra ele e seus liderados, sendo por isso conduzido varias vezes, a presidência efetiva da liga, de que é o chefe pela eleição unanime dos camponeses de Pernambuco”. (JULIÃO: p.25)
Sua estrutura de funcionamento era baseada em duas seções: a primeira era a Organização das Massas que reunia os moradores das cidades e as representações de frações de classes como os pescadores, as mulheres, os desempregados e todas as pessoas que admitissem a necessidade da reforma agrária. A segunda seção era constituída por aqueles que se destacavam em seus trabalhos, reunindo capacidades políticas e também ideológicas para contribuir com o movimento.
Elide Rugai Bastos, no livro As ligas camponesas, afirma que os fatores que potencializaram ainda mais o movimento foram às condições sociais e políticas do período, se tornando uma forte oposição ao capitalismo no campo. As lutas que ocorrem no engenho da Galiléia em Pernambuco em 1954 expõem a situação que o campesinato passava naquele período de forte exploração do trabalhador. As organizações das ligas buscam respeitar três aspectos para que respaldasse a organização dos trabalhadores:
  • Jurídico: na busca de uma legislação para a proteção do trabalhador, dando direito ao trabalhador do campo de se associar;
  • O fator financeiro: que delega ao camponês uma grande capacidade de resistência, na luta contra o latifúndio, visando privilegiar a economia de subsistência, cujo excedente será colocado no mercado de forma independente.
  • O sentido econômico: se dá por meio da resistência ao adversário, com a posse da terra e o fortalecimento do espírito de luta.
Após a criação das Ligas Camponesas, surge outra organização dos trabalhadores no campo, foi a Confederação dos trabalhadores da Agricultura (CONTAG) reconhecida pelo ministério do trabalho em 31 de janeiro de 1964 e que se tornou a primeira entidade sindical de âmbito nacional no país. Tendo uma participação ativa na discussão sobre a reforma agrária com o golpe militar de 1964 sofreu um forte baque com a prisão de seu primeiro presidente, Lyndolpho Silva, que acabou sendo exilado. Ao longo do período militar, vai se tornar um movimento de vanguarda contra o regime dos militares. Com o governo de João Goulart, deu inicio ao processo de reforma agrária com a criação do SUPRA-Superintendência da Reforma Agrária.  Este processo foi abruptamente interrompido pelo golpe militar de 1964, extinguindo o SUPRA e criando Instituto Brasileiro de Reforma Agrária o IBRA, entretanto nunca promoveram uma reforma agrária, mesmo após a criação do Estatuto da Terra.
Outro movimento que muito contribuiu para a organização e tomada de consciência por parte do trabalhador, foi o MST- Movimento dos Trabalhadores Sem Terra·, surgido na década de 1980, resultado de pressões e contradições na relação de abertura da posse da terra pelo posseiro e no contraponto à colonização daquele território. Este movimento, segundo Ariovaldo Umbelino dos Santos, foi o ponto de avanço do trabalhador camponês para o terceiro milênio.
Atrelou-se a reforma agrária à democracia, pois numa democracia de verdade não deveriam existir distinções na posse da terra, com poucos tendo muito, muitos tendo tão pouco. Sobre a política de ação e a ligação com a igreja na construção da identidade do movimento Novicki afirma:
“Dentre estes novos atores, destacamos os Sem Terra, cuja identidade foi construída a partir de experiências diversas, sofridas por diferentes grupos sociais, em face de processos sociais e econômicos gerados pela política de Estado particularmente na região sul do país que viriam a se articular no Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST). A principal estratégia de atuação e pressão deste Movimento é a ocupação de terras agricultáveis não exploradas, bem como os acampamentos - uma nova forma de luta inaugurada pelo movimento No processo de constituição do MST teve papel fundamental a CPT, como também na construção de uma identidade político-religiosa expressa na cruz nos acampamentos e ocupações, missas, romarias da terra, etc.(...)”. (NOVICKI:1992,35)
Um pilar importante neste processo vai ser o Partido dos Trabalhadores- PT aliado ao Movimento dos Trabalhadores Sem Terra – MST no período de abertura para a democracia, pois vai levar em discussão na constituinte a questão agrária se tornando uma das principais bandeiras do partido, que em sua constituição teve grande influência da igreja, aliado à concepção de que a luta pela reforma agrária não deve somente ser dos trabalhadores do campo, mas também dos operários, que eram o núcleo do PT.
“Para o MST, os interessados num processo de reforma agrária são todas as categorias de trabalhadores rurais, desde camponeses com pouca terra, camponeses sem terra, assalariados rurais e subempregados urbanos. Segundo ele, "também aos operários interessa a realização da reforma agrária, seja do ponto de vista da solução de seus problemas econômicos e sociais, seja pelo caráter político de aliança com os camponeses para a tomada do poder”...)”.(MEDEIROS:1994,17)
O MST tinha importantes fatores inerentes à sua organização, como o processo da tomada de decisões que se dava de uma maneira coletiva articulando a espacialização da luta com a territorialização do movimento. No momento de sua criação foi adotado o lema Terra para quem nela trabalha. Cabe assim que estes trabalhadores segundo o MST tenham todo o apoio necessário por parte dos órgãos públicos para que possam desempenhar da melhor maneira possível seu trabalho. Buscando assim uma reforma agrária num sentido moderno, onde além das terras estes trabalhadores recebam recursos tecnológicos e conhecimento necessário para aplica-los.
“Inicialmente de caráter localizado, com fortes bases no sul do país, o MST, a partir  de meados dos anos 80, se estendeu nacionalmente, promovendo ações de ocupação de terra, criando fatos políticos e se impondo como referência para um conjunto expressivo de conflitos que se davam por todo o país. Conseguindo algumas desapropriações e assentamentos de trabalhadores nos anos 85/86, o MST passou a desenvolver uma política voltada para a garantia das "áreas conquistadas", que se configurou na proposta de "cooperação agrícola". Nesse processo, ao lema "ocupar e resistir" se agregou a expressão "produzir", e novas preocupações emergiram: reforma agrária deveria significar implicar também em mudanças estruturais no modelo de desenvolvimento atual da agricultura, envolvendo não somente a estrutura da posse e uso da terra, mas dos meios de produção, crédito, assistência técnica, política de preços e relações com a agroindústria (...)”. (MEDEIROS:1994,17)  

No outro extremo ideológico, o movimento reacionário se deu pela criação da UDR- União Democrática Ruralista que militarizou os latifundiários. Tendo como principal expoente o deputado Ronaldo Caiado, visavam eleger o número máximo de parlamentares possível para que seus interesses fossem legalmente resguardados.
A escalada de violência por parte dos latifundiários foi só aumentando com assassinatos e perseguições, mas igual reação também foi feita por parte dos trabalhadores rurais. Inúmeras invasões e resistências às reintegrações de posse pelo o uso indiscriminado de força policial foram coordenadas pelos trabalhadores. Estes afirmavam que o processo de luta não é para deixar a terra e sim para entrar nela, até então incultas e constituindo-se como uma espécie de reserva patrimonial, demonstrando poderio de alguns latifundiários.
“Assim, com o aumento da pressão social, também cresceu a violência dos latifundiários, naquele momento praticado como recurso extremo para reter a propriedade privada capitalista da terra (...)”.(MEDEIROS:1994,17)  

Parte-se como ponto de referência na compreensão dos principais focos de conflito, o ano de 1985, com informações do Instituto Brasileiro de análise econômica- IBASE, Conselho indigenista missionário- CIMI, a Pastoral da Terra e a Confederação Nacional dos Trabalhadores da agricultura- CONTAG, que fizeram todo o acompanhamento destes conflitos levantando dados estatísticos e atuando na resolução de conflitos e ajudando os trabalhadores em tudo aquilo que o poder público deixava a desejar.
No Pará aconteceram inúmeros assassinatos, entre eles um na Fazenda Ubá, em São João do Araguaia, onde até uma mulher grávida foi vitima da brutalidade dos pistoleiros contratados pelos fazendeiros. Em Minas Gerais, além de assassinatos de trabalhadores rurais, houve também uma reação por parte deles resistindo e matando alguns fazendeiros. Um caso que teve destaque foi a morte de um dos líderes do movimento dos trabalhadores rurais, Sebastião Gomes Pereira, morto violentamente. Na Bahia foram registrados casos onde os trabalhadores foram encontrados em situação de escravidão, com remuneração baixa e alimentação precária. Viviam com a constante ameaça de expulsão da terra.
Em São Paulo, os confrontos envolveram boias-frias que ocupavam terras improdutivas e os fazendeiros que recorreram à polícia para reintegrarem a posse da terra utilizando a força em excesso já que a maioria eram mulheres e crianças. No estado do Amazonas aconteceram casos piores onde cerca de 60 famílias foram deixadas no meio da floresta amazônica para viverem a própria sorte em uma situação de miséria extrema. Casos semelhantes ocorreram na zona rural de São Paulo, Goiás, Maranhão e na Paraíba vivendo sob a constante ameaça da expulsão de camponeses de suas terras.  No Acre, os trabalhadores buscaram o embargo do desmatamento que ocorria de maneira acelerada e lutavam pela posse destas terras.
“Acossados pelas grandes empresas agropecuárias que estavam promovendo a derrubada dos seringais nativos, especialmente no Acre, os seringueiros, através da organização sindical, procuravam, utilizando-se dos "empates", embargar o desmatamento, ao mesmo tempo em que lutavam pela desapropriação das áreas em questão (...)”. (MEDEIROS:1994,17)

Em Pernambuco, acontece a pressão sobre o posseiro, que se dá por meio de grileiros que anexam terras de maneira indiscriminada, burlando a lei e utilizando-se de extrema violência. Casos de remuneração baixa e desemprego entre a safra ocorreram em Santa Catarina e Fortaleza, problemas com desocupação de terras ocorreram no Rio de Janeiro e Paraná.
“O final dos anos 70 e início dos anos 80 assistiu o nascimento de conflitos envolvendo trabalhadores (pequenos produtores, posseiros, arrendatários, parceiros) deslocados de suas terras em virtude da construção de grandes projetos hidrelétricos. De lutas localizadas (Itaipu, no Paraná, Itaparica em Pernambuco, Alto Uruguai, no Rio Grande do Sul, Tucuruí no Pará etc.), que demandavam, num primeiro momento, indenização justa para os atingidos pelos reservatórios, as reivindicações caminharam na direção de "terra por terra", posteriormente para o "não às barragens" e acabaram por questionar toda a política energética do governo” (...). (MEDEIROS: 1994,18)
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