A Lei de Terras de 18503 pode ser considerada como o início do capitalismo agrário no país quando a terra se torna uma mercadoria, um bem franqueado apenas para aqueles que detinham os meios de produção, o que ratificou o poder dos grandes proprietários que eram os únicos que tinham recursos para receber o título de posse da terra. Neste sentido, estes últimos vão incorporar as terras dos pequenos proprietários que não tinham como pagar para ter a posse da terra, ampliando o reinado do Latifúndio e institucionalizando-o. Pode-se considerar o estabelecimento da Lei de Terras como o primeiro momento de contestação à organização do uso solo consolidada no período colonial, modelo esse que será o dominante em nosso país.
3 Dispõe sobre as terras devolutas no Império, e acerca das que são possuídas por título de sesmaria sem preenchimento das condições legais. Bem como por simples título de posse mansa e pacífica; e determina que, medidas e demarcadas as primeiras, sejam elas cedidas a título oneroso, assim para empresas particulares, como para o estabelecimento de colônias de nacionais e de estrangeiros autorizados o Governo a promover a colonização estrangeira na forma que se declara. –
Com as capitanias como primeiro projeto de organização do território, as sesmarias num primeiro momento e a Lei de Terras em 1850 organizaram o uso do solo, tendo inicioa organização fundiária do país mesmo que de forma incipiente. Portanto a Plantagem como afirma o Historiador Jacob Gorender no livro Escravismo Colonial, extrapolava muitas vezes os limites que eram determinados, concentrando a propriedade nas mãos de poucos, e estes tinham como principal motivação o aspecto econômico aliado ao status obtido. Cada vez buscava-se o lucro com as grandes plantações deixando de lado o pequeno produtor, restando-lhe apenas oferecer sua força de trabalho.
Buscar-se-á apresentar como a estrutura do período colonial influenciou diretamente na questão fundiária do país a partir da década de 1950, pois os principais problemas apontados neste período estão ligados diretamente à maneira como se organizou a economia no período colonial, tendo como principal atividade a agricultura voltada para a exportação. 5
2.1- CAPITANIAS HEREDITÁRIAS E SESMARIAS
Neste primeiro momento tratar-se-á brevemente o contexto histórico em que se deu origem a estrutura fundiária colonial.
Desde os primórdios da civilização que o ser humano enxerga a necessidade de uma organização do uso do solo, demarcando aquelas terras de uso coletivo, de acesso livre à comunidade, das terras públicas destinadas à manutenção do rei e de seus cultos e aquelas que eram destinadas à Igreja, à cúria. A propriedade privada surge ainda no período grego, onde a casa de uma determinada família se tinha uma lareira que nunca poderia se deixar apagar, pois significava a chama de seus antepassados que passavam de geração em geração, daí a ideia de pertencimento àquela terra, como apresenta o Historiador Fustel de Coulanges no livro A Cidade Antiga.
O mesmo sentido de pertencimento que se transmite, transparece na observação de Francisco Julião4 de que a contradição existente entre o castelo do nobre e a choupana do servo era igual a que existe entre a usina do capitalista e a cafua miserável do camponês. Segundo ele, qualquer viajante que passe pelo Brasil se espanta com esse contraste entre rico e pobre.
4 Foi Presidente de Honra das ligas camponesas do estado de Pernambuco e autor do Livro: JULIÃO, Francisco. Que são as ligas Camponesas. Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1967 94p.
CAPITANIAS HEREDITÁRIAS
Durante os primeiros trinta anos, desde a chegada dos portugueses às terras coloniais no intervalo de 1500-1530, não aconteceu uma ocupação efetiva do território do Brasil por parte de Portugal. Apenas foram enviadas expedições esporádicas denominadas de guarda-costas que tinham por objetivo obter o Pau-brasil recolhido pelos índios e levados para o litoral onde eram trocados com os portugueses por objetos de pouco valores como facas e espelhos. A partir de 1530, Portugal com receio da ocupação estrangeira, vê a necessidade de ocupar sistematicamente o território brasileiro, implantando uma economia voltada a 6
produção da cana de açúcar e outros produtos para o mercado externo. Decidindo instalar o sistema de capitanias hereditárias, dividiu o território em 15 capitanias e 12 donatários. Os donatários eram responsáveis pela manutenção e organização de seu pedaço de território, devendo explorá-lo economicamente, ficando com Portugal todo o lucro obtido com a comercialização dos produtos explorados.
Este empreendimento, entretanto, teve uma importância secundária para o funcionamento do sistema colonial e o auge da economia no período colonial se deu sob o sistema de governos gerais. Dentre os autores que abordam esta temática, Jacob Gorender é quem oferece uma visão mais globalizante sobre as capitanias hereditárias:
“O sistema deve ser compreendido, a meu ver como manifestação peculiar de um tipo de empreendimento colonizador europeu da época do mercantilismo. Tipo caracterizado por delegações de soberania de grande amplitude, nele se incluindo também as companhias privilegiadas de comércio. Organizadas como sociedades por ações geridas pelo grande capital comercial e nada tendo a ver com o direito feudal, as companhias de direito receberam prerrogativas de soberania, nas suas áreas de conquista e colonização, muito mais dilatadas do que as conferidas aos donatários (...)”. (GORENDER:1975,367)
Fica clara a influência externa na constituição da conjuntura interna, bem como as relações sociais que se constituíram a partir deste período. Citando as grandes companhias privilegiadas de comércio, como a das Índias Ocidentais, geridas pelo grande capital comercial e a subordinação da colônia as condições externas de mercado, à economia interna da colônia resta apenas a incumbência de manter as condições de subsistência e consumo interno para a manutenção da economia de exportação. De grande importância neste processo foi a aliança entre a burguesia, a Coroa e a nobreza na organização da política de terras no Brasil
“O Brasil colonial foi organizado como uma empresa comercial resultante de uma aliança entre a burguesia mercantil, a Coroa e a nobreza. Essa aliança refletiu-se numa política de terras que incorporou concepções rurais tanto feudais como mercantis (...)”. (VIOTTI,:1991,172) 7
Outra característica importante deste sistema reside na grande subordinação dos donatários à Coroa Portuguesa. Ao contrario de outras colônias onde esse modelo foi aplicado, em que a relação se dava entre os donatários e as pessoas privadas dos colonos, Portugal optou, ao invés de implantar este modelo, manter as donatárias coloniais subordinadas a uma monarquia absoluta e fortemente centralizada.
“Os donatários não conservavam nenhum direito sobre as terras, cingindo-se tão somente a exercer o poder publico. Dentro da concepção tipológica weberiana é que justificaria de capitalismo a recepção das rendas de impostos, pois isso se restringia a ‘lucratividade’ imputável aos donatários como tais (...)”. (GORENDER:1975,367)
O Donatário era tão somente um gestor público e administrador das contas. Seus ganhos não eram tão altos em relação ao ganho da Coroa com a cobrança de impostos ficando esta quantia na casa de 100 (Coroa Portuguesa) e 20 (Donatários). Jacob Gorender apresenta como exemplo desta situação o caso do capitão donatário5 responsável pela capitania de Pernambuco, uma das mais prósperas, que ganhava com a exploração de suas terras cerca de 20 mil cruzados, ficando à Coroa Real, por meio do monopólio comercial e dos impostos extraídos pela secretaria da fazenda, 100 mil cruzados, cinco vezes mais que o donatário. Neste modelo de ocupação e exploração, o donatário tinha um caráter apenas de um sócio menor, cabendo a ele somente uma pequena parte do montante recolhido da colônia.
5 Duarte Albuquerque Coelho. Capitão donatário de Pernambuco, uma das mais prósperas capitanias juntamente com São Vicente.
SESMARIAS
A instituição das sesmarias foi um processo transplantado de Portugal para o Brasil para a repartição do fundo agrário dentro das capitanias hereditárias. Mas este sistema se difere do aplicado em Portugal, pois o do Brasil deixou de lado características feudais mantidas na Metrópole. A Lei das Sesmarias criada por Dom Fernando em 1375, instituía em Portugal uma importante restrição ao direito sobre a terra, pois mandava distribuir terras senhoriais inaproveitadas seja de quem fosse, do Rei, da Coroa, do clero ou da nobreza.
Transplantada de Portugal, a Lei das Sesmarias no “extenso e inexplorado” território da colônia levou ao uso da posse como recurso de acesso a terra. Segundo o historiador Jacob Gorender o regime de distribuição de terras através das sesmarias era alodial não comportando vínculos de dependência pessoal. 8
Concordando com Caio Prado Junior. Gorender afirma que:
“Ao contrario do usufruto enfitêutico, as terras de sesmaria foram repartidas no Brasil sem o ônus temporário ou perpetuo de encargos senhoriais. Teve, pois inteira razão Caio Prado Junior quando escreveu que a propriedade da sesmaria era alodial, não comportando qualquer laço de dependência pessoal (...)” (GORENDER, 1978,27).
A discussão central de vários historiadores que abordam o tema das sesmarias entre eles Jacob Gorender, gira em torno da questão se eram ou não feudais as características deste processo que foi aplicado na colônia.
Para Gorender, somente duas doações, uma a que foi concedida a Brás Cubas em São Vicente, que determinava a inalienabilidade perpétua e determinava sucessão em linha direta transversal, e a outra doação da Ilha de Santo Antonio a Duarte de Lemos, onde foram transferidas todas as prerrogativas públicas do próprio donatário, copiaram procedimentos feudais, mas não passaram apenas de ensaio isolados. Assim, nas capitanias brasileiras, a sesmaria se constituiu em grandes propriedades, o que mais tarde daria origem ao latifúndio, que até hoje caracteriza o regime de terras no Brasil.
A lei das sesmarias sofreu algumas mudanças, entre elas a vinculação da doação das sesmarias a “possibilidade de escravatura para cultiva-las”, ou seja, quem detinha uma quantidade grande de escravos tinha maior facilidade para a obtenção de terras. Assim cada vez mais as propriedades foram aumentando de extensão, muito superiores à possibilidade de aproveitamento do terreno. Esta situação iria se constituir, com o tempo, fator de desigualdade e a diferença no processo de formação social brasileira.
Com o tempo, já no Império, com os decretos assinados pelo Imperador, as normas das sesmarias iam deixando de ter força e em contrapartida acentuava-se o poderio dos grandes proprietários que se constituíam numa elite local com seus próprios interesses, deixando fora do processo de estruturação fundiária a maioria da população que não detinham recursos para lhe assegurar a posse da terra. Como diz Nelson Nozoe:
“Após a colocação em desuso do instituto de distribuição legal de terras publicas as vésperas da independência, os detentores de alentados recursos e influência também passaram a lançar mão do recurso do apossamento Como consequência, a humilde posse com cultura efetiva... se impregnou do espírito latifundiário... Depois de 1822, sobretudo,... as posses passam a 9
abranger fazendas inteiras e léguas a fio... Extinto o regime das sesmarias, a posse começa a servir-lhe de veículo (...)”.(NOZOE,29)
Gorender apresenta alguns outros institutos jurídicos que também tiveram alguma função no Brasil nesse período, que eram o dízimo eclesiástico, os foros enfitêuticos e os morgadios:
Dizimo eclesiástico: O dízimo eclesiástico pertencia às entidades clericais e lhes vinha ter às mãos diretamente. A colonização do Brasil se fez sob a jurisdição religiosa da Ordem de Cristo, cujo mestrado os papas atribuíram à Casa Real. Resultou daí que a própria Coroa passasse a cobrar o dízimo eclesiástico, obrigando-se a pagar o sustento dos sacerdotes no Brasil.
Foro enfitêutico: O foro instituído pela Carta Régia de 27 de dezembro de 1695 não foi uma transladação fiel do foro enfitêutico português, porém uma reprodução substancialmente mutilada. O aforamento medieval associava-se ao laudêmio, ao direito de prelação em favor do proprietário eminente ou direto, à alienação somente com autorização do senhorio e com manutenção integral dos encargos senhoriais e a outras cláusulas protetoras do domínio eminente do imóvel. 30 Esse usufruto enfitêutico permaneceu em vigor na Idade Moderna, consolidado pelas Ordenações Filipinas, bastando verificar o Título 38 do Livro Quarto para encontrar todas as cláusulas acima enumeradas. Nenhuma delas veio com o foro estatal instituído sobre as sesmarias brasileiras. Poder-se-ia argumentar estarem subentendidas na própria instituição, mas a verdade é que não consta haverem produzido qualquer efeito prático.
Morgadio: O morgadio tornava os domínios senhoriais juridicamente vinculados à família, inalienáveis, indivisíveis e insuscetíveis de partilha por morte do titular, transmitindo-se o único dos descendentes — o varão primogênito ou, na falta deste, passando à linha feminina, para voltar ao descendente varão logo que houvesse.
O ápice deste processo se dará por meio da Lei de Terras de 1850, que foi um dispositivo que vedou definitivamente o acesso à terra aos mais pobres.
“A história do regime territorial no Brasil colonial permite aferir como a instituição portuguesa da sesmaria foi amoldada aos interesses dos senhores 10
de escravos, mesmo quando sob certos aspectos se lhes opunha a orientação do governo metropolitano; Da forma jurídica original se conservou na colônia apenas o que convinha ao novo conteúdo econômico-social escravista.” (GORENDER, 1978,27)6
6 Ibdem: 8,10
2.2-LEI DE TERRAS
Durante o século XIX, as novas necessidades da economia mundial levaram a uma nova visão sobre o uso da terra e o trabalho assim que diversos países decretaram diversas leis com o objetivo de regularizar a propriedade da terra. A historiadora Emilia Viotti afirma;
“Que o desenvolvimento capitalista atuou diretamente sobre o processo de reavaliação política de terras em diferentes partes do mundo, e que a terra nessa nova perspectiva, deveria se transformar numa preciosa mercadoria, capaz de gera lucro tanto por seu caráter especifico quanto pela sua capacidade de produzir outros bens (...)”. (VIOTTI: 1991,175)
No Brasil, Lei de Terras de 18 de setembro de 1850 teve como principal ponto de ação a obstrução da via de posse, proibindo a aquisição de terras devolutas por outro título que não o de compra. Neste sentido, pode ser considerada como o ponto de partida para o processo posterior de desenvolvimento capitalista no Brasil, com o aumento em extensão da propriedade e a sua concentração nas mãos dos grandes proprietários. No contexto desse processo vai ocorrer no campo a mudança nas relações entre o senhor e o camponês que, expropriado dos meios de obtenção da terra, lhe restou somente se agregar ao latifundiário, surgindo assim diversas modalidades nas relações de trabalho, tais como, parceria, cambão, entre outras.
No começo da colonização a terra foi vista sob dois aspectos: Num primeiro momento era vista como um patrimônio pessoal do Rei e somente ele tinha o poder de decidir o destino destas terras. Já com o decreto da Lei de Terras, a única forma de se obter a posse da terra era por meio do governo que atuava como um intermediário entre o domínio público e o futuro proprietário. Desta forma, a relação pessoal que antes existia é substituída por uma relação impessoal entre o Estado e o pretendente a terra. No que se refere à mão de obra, questão ligada à política de terras, observa-se que a Lei Eusébio de Queiroz, que proíbe o trafico negreiro, é baixada no mesmo ano da Lei de Terras. 11
“A Lei de Terras de 1850 assumiu um caráter repressivo em relação à força de trabalho, antecipando-se aos efeitos da proibição do tráfico de escravos ocorrida no mesmo ano e da abolição da escravatura que viria a acontecer, ao direcionar a mão de obra rural para o setor agroexportador (principalmente a cafeicultura), já privilegiado por uma política agrícola protecionista”. (VIOTTI: 1991,175)
Por conta da necessidade da substituição da mão de obra escrava por uma assalariada ocorre a necessidade de atração de imigrantes europeus para as fazendas. Imigrantes de diversos países vieram para trabalhar nas fazendas do Brasil principalmente em São Paulo e no sul do país. Contudo, essa nova relação não foi muito bem entendida por parte dos latifundiários, pois estas relações de trabalho se transformaram em uma nova espécie de escravidão com os trabalhadores com dividas enormes na tenda de comércio do fazendeiro. Assim o trabalhador se via obrigado a trabalhar não em troca de salário, mas para o pagamento de sua dívida. Os fazendeiros continuaram tratando seus funcionários como escravos e os imigrantes europeus não admitiram isso, o que provocou a diminuição da vinda de imigrantes para o país. Assim que chegavam ao Brasil pesadas dívidas com comida e moradia eram impostas, assim tinham de trabalhar para saldar estes débitos e só então tinham direito de ir embora. Não deixava de ser uma escravidão, somente com outra roupagem. Segundo Emília Viotti da Costa os defensores do projeto tinham como argumento:
“Todos os defensores do projeto insistiam que subjacente a esses argumentos particulares, estava o fato de que a lei criaria condições para que o fazendeiro obtivesse trabalho livre para substituir os escravos, (...) é obvio que para eles a nova política de terras tinha como um de seus objetivos resolverem o torturante problema da mão de obra (...)”. (VIOTTI:1992,179)
A terra tinha sua importância inegável neste processo e a questão central para os historiadores Jacob Gorender, Ciro Flamarion Cardoso e outros eram a constituição da escravidão e a determinação das relações sociais e o modo de produção escravista colonial. Somente quem poderia ter acesso a terra era quem possuía uma grande quantidade de escravos e após o fim do trafico negreiro foram estes grandes proprietários de terras, que permaneceram como latifundiários. Assim, o avanço do modo de produção capitalista no Brasil, a partir da Lei de Terras, marcava o que viria a ser o desenvolvimento do país de forma contraditória e desigual, e o seu desenvolvimento no campo se deu de forma 12
heterogênea e complexa. Cada vez mais posseiros que tiveram suas vidas ligadas a terra e aprenderam seu oficio na prática, foram deixados de lado neste processo, que contemplava apenas aqueles que visavam o lucro e não tinham vínculo nenhum com o que faziam.
A partir deste momento, no Brasil a terra passa a ser tratada não apenas como algo que proporcionava prestígio social e se torna agora um bem comercial, uma mercadoria, visando o lucro e representando um poder econômico.
Muitos latifundiários não respeitaram a Lei de Terras e mantiveram seus títulos de posse antigos e ainda se apossaram das terras dos pequenos proprietários que não tinham o título de posse. Com a Lei de Terras, a ocupação se tornou a única maneira de se adquirir terras, exceto quando por herança ou compra, como dito anteriormente. Este expediente irá gerar um processo anárquico, pois as ocupações serão feitas de forma desordenada, ocorrendo uma concentração de terras nas mãos de poucos que visavam apenas à economia de mercado, que exigiam grandes extensões de terra para que os produtos fossem enviados para o mercado externo.
Diferentemente dos Estados unidos que optaram por uma via que privilegiasse a pequena propriedade, baseados no inicio da colonização norte americana, o Brasil implanta um projeto que dificulta o acesso à terra ao trabalhador livre que buscava a pequena produção para o abastecimento interno e com uma diversificação maior nos produtos que fossem produzidos. A Lei de Terras buscou dar subsídios para que o Brasil cada vez mais investisse nessa economia de exportação com toda a estrutura logística voltada nesse sentido, buscando facilitar ao máximo o acesso ao mercado para os grandes proprietários por meio da construção de ferrovias e franqueando o acesso ao porto para que exportasse seus produtos. A pequena produção ficaria em um segundo plano, diferentemente dos EUA que já com os primeiros colonos tinham tido essa experiência sendo bem sucedido, o que levou a adotarem o modelo da pequena propriedade refletindo diretamente no desenvolvimento do país.
“Tanto nos Estados Unidos como no Brasil, a política rural estava ligada a certa concepção de trabalho. Mas, enquanto a Lei brasileira de 1850 dificultava a obtenção de terra pelo trabalhador livre, o Homestead Act de 1862, nos Estados Unidos, doava terra a todos os que desejassem nela se instalar. Usando velhos argumentos em favor da pequena propriedade – argumentos estes que estavam enraizados na experiência histórica dos primeiros colonizadores – e recorrendo a novos argumentos derivados das condições criadas pelo desenvolvimento no século XIX, o Homestead Act refletia, 13
em 1862, o impacto da imigração, da urbanização e da industrialização sobre a sociedade americana.”.(VIOTTI:1991,181)
Além de buscar cada vez mais a melhoria das condições de locomoção de tudo que era produzido, a Historiadora Emilia Viotti da Costa afirma que tinha como um de seus objetivos principais a resolução do problema da mão de obra escrava e sua substituição por trabalhadores livres. E os que eram contra este projeto viam como espécie de colonização e o imigrante como um agente civilizador. Emilia Viotti afirma conforme o projeto foi constituído parecia obstruir o modelo de civilização que tanto era almejado. O projeto buscava majoritariamente resolver o problema da política de terras e do trabalho e de encontrar uma maneira para a substituição da mão de obra:
“expressou os interesses desses grupos e representou uma tentativa de regularizar a propriedade rural e o A Lei de Terras de 1850, fornecimento trabalho, de acordo com as novas necessidades e possibilidades da época. (...)” .(VIOTTI:1991,176)
O projeto de Lei de Terras, segundo Emilia Viotti, foi inspirado nas teorias de Wakefield que Marx aborda no subitem Capital e a Moderna Propriedade da Terra. Afirmava que em lugares onde o acesso à terra fosse fácil, seria difícil conseguir pessoas para trabalhar nas fazendas, tendo assim a necessidade de um política restritiva a compra de terras para conseguir a mão de obra livre. Incapazes de adquirir terras, os trabalhadores se viam obrigados a trabalhar nas fazendas. Sobre a teoria de Wakefield Marx afirma:
“A teoria de Wakefield é tremendamente importante para a compreensão correta da moderna propriedade da terra. O capital, enquanto criador da renda do solo reduz-se à produção do trabalho assalariado como seu fundamento criador universal. O capital surge da circulação e põe o trabalho como trabalho assalariado; constitui-se dessa maneira e desenvolve-se como um todo e põe a propriedade da terra como sua condição e ao mesmo tempo como sua antítese (...)”.(MARX,p.7)
Toda a terra que não fosse utilizada deveria vir para as mãos do Estado como terra pública e depois vendida a preços muito altos para que dificultasse o acesso a terras por parte dos colonos.
“de modo que o trabalhador livre, incapaz de adquirir terras, fosse forçado a trabalhar nas fazendas. Portanto, os tradicionais meios de acesso a terra –ocupação, formas de arrendamento, meação – seriam proscritos (...)”. (VIOTTI: 1991,177)
Duas correntes debatiam o projeto:
“Aqueles que defendiam o projeto salientavam que ele eliminaria a disparidade existente entre o excesso de terra e a escassez de trabalho, que tinha contribuído, segundo eles, para a redução do preço da terra. (...) Os proponentes do projeto argumentavam que a experiência tinha mostrado que os imigrantes, cujas passagens haviam sido pagas pelos fazendeiros, frequentemente deixavam a fazenda, seduzidos pela perspectiva da propriedade (...)”. (VIOTTI: 1991,177)
Buscava-se com este projeto, segundo Emilia Viotti da Costa, o controle geral das terras pelo Estado. E essas duas correntes tinham objetivos bem antagônicos. De um lado aqueles que buscavam resolver o problema existente entre o excesso de terras e a escassez de trabalho empregada nelas. E de outro aqueles que propunham o projeto buscavam meios de prender o imigrante a terra com uma relação de dependência.
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